“A competência em um roteiro não é técnica, é aquilo que faz você dizer ‘Uau!‘” Paul Ashton, BBC WritersroomOntem participei de uma ‘aula’ com profissionais da indústria de cinema e televisão do Reino Unido: Julian Friedmann, agente literário de roteiristas, sócio na agência de literatura, cinema e televisão Blake Friedmann e editor do website especializado para roteiristas TwelvePoint.com; Dr Craig Batty, professor de roteiro na Bournemouth University e autor do livro Writing for the Screen: Creative and Critical Approaches; David Nicholls, roteirista de, dentre outros, do filme Start for 10, da série de TV Tess of the D’Uberville e do seriado de TV Cold Feetç e Paul Ashton, produtor de desenvolvimento de roteiros (development producer) da ‘academia’ de roteiristas da BBC, o BBC Writersroom.
Julian Friedmann (esq.) e Craig Batty (dir.)
O painel debateu muitas questões relevantes para as escritoras e escritores presentes. Eis algumas questões importantes que eles levantaram:Diversificar a produção dos textos e mídiasJulian Friedmanm diz que escritores não devem se limitar a escrever para apenas um meio. Existem dois aspectos nesta questão. Um deles é que a indústria de cinema é muito competitiva e, de certa forma, restrita. Roteiros levam anos para serem aprovados ou produzidos, portanto, diversificar a produção pode significar conseguir um trabalho e, depois, continuar trabalhando. Trabalhar para diversos meios – televisão, cinema, teatro, literatura, rádio, online – aumenta a visibilidade do escritor, seu campo de relacionamento e demonstra a qualidade do texto da escritora ou escritor, o que faz com que produtores e diretores queiram trabalhar com ele ou ela.
A outra é que demonstrar flexibilidade em termos de produção literária torna o escritor mais atraente para os agentes, pois amplia o portfolio deste cliente frente a diferentes mercados e oportunidades. Outra observação importante de Julian é que raramente um escritor tem seus primeiros roteiros produzidos. Em geral, os primeiros roteiros demonstram a capacidade da pessoa de produzir textos de qualidade. E isso leva produtores a indicar tal escritor(a) para participar de produções nas quais desejam investir.
“Roteiristas têm que ler, no mínimo, 100 roteiros por ano,” segundo Julian. Um roteirista que não lê roteiros é como um escritor que não lê ou um músico que não ouve música. O fato é que assistir filmes não é suficiente para se familiarizar com o formato e a técnica. Um roteiro é um produto que não tem um fim em si mesmo – se ele não é produzido, não tem função pois não é nem um livro nem um filme. Portanto, ler roteiros é crucial e, na opinão de Julian, mais instrutivo do que ler livros sobre como escrever roteiros.
David Nicholls
Análise e desenvolvimento de roteiro
Em relação aos analistas de roteiros, que são mais comuns na Europa e muito comuns nos Estados Unidos, mas nem tanto no Brasil, tanto Paul quanto David recomendaram cautela. Muitas escritoras e escritores iniciantes contratam os serviços destes profissionais pois não têm a quem recorrer para obter feedback sobre o seu trabalho. Paul Ashton recomenda que se avalie com cuidado o histórico e a experiência deste profissinal. As críticas são sempre bem-vindas e Julian ressalta que é muito melhor ouvir sobre aquilo que não está funcionando no seu texto do que ouvir um elogio. O elogio é bom para o ego e a crítica ajuda a melhorar a qualidade da escrita.
David Nicholls teve algumas experiências negativas com os analistas. Afinal, você investe três meses (às vezes muito mais do que isso) no seu texto enquanto o analista investe duas horas de leitura, portanto, para David, existe um desequilíbrio de forças criativas que, muitas vezes, colidem. Porém, a análise do roteiro é uma etapa comum do processo de producão de cinema e televisão. Segundo David, é como ir ao dentista – é ruim, mas quando termina dá aquela sensação de dever cumprido, o que é bom. E, em alguns casos, o resultado de uma boa análise pode definir o sucesso de um filme.
O problema de alguns analistas é que eles também são escritores e, algumas vezes, querem re-escrever o roteiro. O fundamental num processo de análise – ou de desenvolvimento de roteiro – é ajudar o escritor a resolver os problemas do texto e não resolver os problemas para o escritor. Escrevi um artigo para o site TwelvePoint.com sobre um workshop do qual participei, Desenvolvimento de Roteiro (Script Development, em inglês), que abordava essa questão. Segundo Paul, quando o analista quer re-escrever sua estória, a coisa não vai funcionar. Esse não é o caminho. Mas ajudar a escritora(o) a achar o caminho também não é tarefa fácil.Paul diz que essa é uma questão delicada mas que Matthew Grey, autor da série britânica Ashes to Ashes, coloca que o melhor feedback é feito através de três perguntas gerais sobre o roteiro. Essas três perguntas devem colocar quais são os três maiores problemas encontrados e são mais úteis para o escritor do que as análises minuciosas e detalhadas do texto.Craig Batty lembra que existem muitas formas de se obter feedback sem necessariamente ter que recorrer aos analistas de roteiro – nada contra os profissionais, ok? Mas é que muitos escritores simplesmente não têm dinheiro para investir em um bom analista. Grupos de escritores ajudam, pois um pode dar feedback para o outro. Estes grupos existem fisicamente e online. Não sei bem se existem muitos grupos no Brasil, mas aqui no UK sim.
O que os produtores buscam nos roteiros
O que os produtores de cinema e televisão buscam quando lêem os roteiros enviados por escritores(as)? Segundo Paul, “A competência em um roteiro não é a técnica, é aquilo que faz você dizer ‘Uau!’” Na verdade, ele diz que não está procurando por nada em particular quando lê o roteiro, o que ele deseja é que o texto faça com que ele continue lendo até o final. O trabalho dele na BBC não é encontrar boas idéias para programas, séries ou filmes, é encontrar pessoas que escrevem bem.Essa é uma dica interessante que nunca tinha me ocorrido. Muitos escritores – eu inclusive – pensam que desenvolver uma idéia ou apresentar uma boa idéia para uma estória importante. Nem sempre. De fato, não é a idéia que interessa ao Paul, por exemplo. Afinal, muitas vezes as pessoas que estão procurando produtos (filmes, seriados, novelas, mini-séries) para suas grades de programação, em geral, já têm idéias próprias sobre o que querem produzir mas precisam encontrar escritores(as) adequados para elas e com boa qualidade de texto. O que o Paul quer encontrar é talento – aquilo que não se ensina na escola, pois todo o resto um bom escritor pode aprender.
Paul Ashton
Claro que é preciso ter um senso de estrutura, personagem que soem verdadeiros, a utilização adequada da linguagem visual, elementos importantes num bom roteiro. Mas a qualidade do texto sempre fala mais alto. Na agência literária do Julian, por exemplo, eles seguem o seguinte princípio: se a idéia é sensacional mas a qualidade do texto é ruim, eles não aceitam o escritor. Porém se o texto é sensacional mas a idéia é ruim, eles convidam a escritora ou escritor para conversar.Craig Batty lembra que todos – agentes literários e produtores – estão procurando aquilo que emociona e toca o público. Estão procurando as pessoas que conseguem contar uma boa estória e engajar o público emocionalmente. O Julian, por sua vez, fala que a reação física a um texto, a uma estória, a apresentação de um conflito ou um dilema moral, é o seu indicador mais importante. Muitas vezes, o impacto da leitura repercute fisicamente e isso significa que, como leitor, a pessoa se engajou.Um problema comum a muitos textos é, por exemplo, ser auto-indulgente ou auto-referenciado demais. O texto precisa ter um apelo para o público, não apenas para quem escreve; precisa ter um grau de entretenimento para o outro, não ser um prazer exclusivo para o escritor. Neste aspecto, o andamento do texto, o engajamento que ele proporciona, a emoção que desperta são fatores importantes.E todos concordam que falar daquilo que é emocionalmente verdadeiro para o escritor é crucial. Não se trata de escrever sobre as coisas das quais se têm conhecimento literal; trata-se de escrever aquilo que se conhece emocionalmente. Julian lembra que uma boa estória não é sobre os eventos que acontecem na estória, é sobre a verdade emocional que a estória traz à tona.Verdade emocional vs demandas do mercadoEu perguntei como equilibrar a ‘verdade emocional’ com as demandas do mercado. Paul colocou que é fundamental conhecer o mercado e ter esse conhecimento não significar ficar tentando imaginar aquilo que o mercado quer. Essa foi uma colocação interessante complementada pelo Julian, que lembrou que aquilo que está sendo visto hoje foi concebido há uns cinco anos atrás e, portanto, é tarde demais para tentar estar à frente desta ‘tendência’.
O conselho que eles dão é ser flexível, aceitar críticas, apresentar diversas ‘mostras’ do seu trabalho – um livro, um roteiro para cinema, uma série para televisão, uma peça de teatro, uma estória para rádio –, ou seja, diversificar a produção. Outro elemento é ter uma verdadeira paixão pelo trabalho, por aquilo que está escrevendo, colocar seu coração e a sua verdade emocional nas suas estórias. Segundo Paul, nenhum talento verdadeiro passa muito tempo sem ser reconhecido. Para ele, porém, só existe um grande veículo de marketing para o seu trabalho: escrever um excelente roteiro e deixar que ele fale por si mesmo. Portanto, ele diz, continue escrevendo e melhorando a qualidade do seu texto.